Quando este verão nos sentámos com Nick Cave para uma longa entrevista, e sobretudo quando começámos a escutar e transcrever as suas respostas, demos por nós a pensar em algo que não nos ocorrera até então: à nossa frente, impecavelmente vestida e invariavelmente astuta, estava uma pessoa de idade. A poucas semanas de completar 67 anos, o australiano não o negava e até o sublinhou: “Penso que o jovem Nick iria preferir ver-me como estou agora do que como um punk de 66 anos. Não devemos ter vergonha de envelhecer”, sentenciou então, no salão nobre de um hotel de luxo em Chelsea, em Londres. Em palco, porém, a impressão é inversa. Poucas filas de fãs fervorosos nos separavam do ‘altar’, pelo que conseguíamos vislumbrar alguma nitidez o homem que, ao longo de quase três horas, não se escusará a calcorrear quilómetros. Para quem não estivesse tão perto, os ecrãs gigantes – geralmente ‘sintonizados’ num preto-e-branco rigoroso e ricos em grandes planos – levam o rosto de Nick Cave até às massas. E por aquela face esculpida pelo tempo parecem passar, a espaços, todos os ‘fantasmas’ do seu passado: do diabrete dos Birthday Party às variadas encarnações com os Bad Seeds, em palco – claramente o seu habitat natural – Nick Cave não tem idade. Prova de que os concertos (o) rejuvenescem, ou de que no mesmo corpo é possível coexistirem diferentes tempos, diferentes vidas. Este é, porém, apenas um dos mistérios que tornam tão difícil tirar os olhos da figura magnetizante que, com os Bad Seeds, nos visitou pela 17ª vez, conseguindo mais uma vez não repetir-se e até superar-se.